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O PAPEL DOS BANCOS FRENTE À CRISE

 

A decretação da pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) da COVID-19, causada pelo Novo Coronavírus, levou o mundo inteiro à tomada de decisões para enfretamento da crise, seja na área de saúde, seja na área econômica. Tais decisões, como se sabe, levaram a uma avalanche de normas e atos administrativos, com edições de inúmeras leis, decretos, medidas provisórias, resoluções, dentre outros instrumentos.

 

No Brasil não foi diferente. Basta acessar o portal eletrônico http://www4.planalto.gov.br/legislacao/ e encontraremos uma área exclusiva denominada “Legislação COVID-19”. Ali verificamos inúmeros atos, como leis, medidas provisórias, recomendações, decretos, etc., inclusive o Decreto Legislativo nº 6, de 2020, que reconhece, para os fins do artigo 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública em virtude da pandemia.

 

Na área econômica, o Banco Central do Brasil, entidade criada pela Lei nº 4.595/64, e que, dentre outras atribuições, tem por escopo “assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda e um sistema financeiro sólido e eficiente”, como descrito no próprio portal eletrônico, anunciou várias medidas para assegurar bom nível de liquidez para o Sistema Financeiro Nacional e para fazer fluir o canal de crédito até os necessitados, pessoas naturais ou jurídicas.

 

Dentre as medidas anunciadas podemos citar a edição de várias resoluções, como a que recebeu o nº 4.800, de 6 de abril de 2020, que “Dispõe sobre as operações de crédito para financiamento da folha salarial realizadas, pelas instituições financeiras, no âmbito do Programa Emergencial de Suporte a Empregos, instituído pela Medida Provisória nº 944, de 3 de abril de 2020”.

 

O artigo 2º da citada Resolução, diz que “As instituições mencionadas no art. 1º que participarem do Programa Emergencial de Suporte a Empregos poderão financiar a folha salarial de empresários, sociedades empresárias e sociedades cooperativas, excetuadas as sociedades de crédito”, estabelecendo algumas observações e condições nos artigos seguintes.

 

Todavia, o intuito é chamar a atenção para outras duas Resoluções editadas em sessão extraordinária, sob os nºs. 4.782 e 4.783, ambas de 16 de março de 2020.

 

A Resolução 4.782 estabelece, por tempo determinado, em função de eventuais impactos da Covid-19 na economia, critérios temporários para a caracterização das reestruturações de operações de crédito, para fins de gerenciamento de risco de crédito.

 

O intuito da referida resolução é facilitar os trâmites de renegociação de dívidas de pessoas naturais e jurídicas que apresentaram ao longo do período boa capacidade de pagamento, não se aplicando, no entanto, às operações já caracterizadas como ativos problemáticos na data de sua publicação e nas operações com evidências de ausência de capacidade financeira da contraparte para honrar a obrigação nas novas condições pactuadas.

 

Diante disso, segundo orientação da FEBRABAN (Federação Brasileira de Bancos), em notícia vinculada no portal eletrônico https://portal.febraban.org.br/noticia/3428/pt-br/, no dia 20 de março de 2020, os cinco maiores bancos associados (Banco do Brasil, Bradesco, Caixa, Itaú Unibanco e Santander), anunciaram que estão comprometidos em atender pedidos de prorrogação, por 60 (sessenta) dias, dos vencimentos de dívidas de clientes pessoas físicas e micro e pequenas empresas para os contratos vigentes em dia.

 

Já a Resolução 4.783 estabelece, por prazos determinados, percentuais a serem aplicados ao montante RWA, para fins de apuração da parcela ACPConservação de que trata a Resolução nº 4.193, de 1º de março de 2013.

 

O RWA, Risk-Weighted Asset (em português, Ativos Ponderados pelo Risco) expressa o risco das operações realizadas nas instituições financeiras, ou seja, a quantidade mínima de capital a ser mantida (exigência de capital) por bancos a fim de diminuir o risco de insolvência.

 

A finalidade de tais medidas é, sem dúvida, ocasionar um aumento de liquidez ou folga de capital às instituições financeiras, gerando uma elevação de crédito para socorrer a sociedade brasileira necessitada (pessoas físicas ou jurídicas) nesse momento delicado de crise, aumentada pela decretação de quarentena em decorrência da pandemia.

 

O grande problema é que, na prática, não vemos o dinheiro ou crédito chegar efetivamente nas mãos dos cidadãos ou empresas, até mesmo as renegociações das operações, com prorrogações de dívidas vencidas. A experiência como advogado me mostrou que alguns clientes tiveram seu pedido de empréstimo a juros baixos ou prorrogação de parcelas vencidas negados, sob a alegação de que estamos em período de crise, pasmem!

 

Além disso, a pesquisa realizada pela ABIMAQ - Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos, entre os dias 30 de março e 03 de abril e publicada em seu portal eletrônico em 14 de abril de 2020, demonstra o seguinte quando o crédito é a fonte de recursos utilizada para fazer frente à pandemia:

 

Bancos privados: 90,6% das empresas indicaram dificuldades no acesso ao crédito pelos seguintes motivos: crédito indisponível, juros elevados, excesso de burocracia, atendimento ruim e não repasse de recursos do BNDES;

 

Bancos públicos: 84,6% das empresas indicaram dificuldades no acesso ao crédito pelos seguintes motivos: crédito indisponível, juros elevados, atendimento ruim e garantia;

 

Cooperativas de crédito: 40% das empresas indicaram dificuldades no acesso ao crédito pelos seguintes motivos: crédito indisponível, juros elevados, excesso de burocracia, atendimento ruim e garantia.

 

Então, não obstante as medidas anunciadas para assegurar bom nível de liquidez para o Sistema Financeiro Nacional e para fazer fluir o canal de crédito até os necessitados, verifica-se, em todos os canais utilizados para acesso ao crédito,

grande dificuldade de acesso principalmente por juros elevados, atendimento ruim e crédito indisponível.

 

As indagações que ficam são: por que o crédito não chega aos necessitados, mesmo com todas as medidas e o que fazer?

 

Basicamente, as respostas a tais indagações são: primeiro, o crédito não chega aos mais necessitados tendo em vista a falta de comprometimento das instituições financeiras com a economia nacional, principalmente no tocante a quem realmente necessita de crédito nos momentos de crise, bem como, pela ausência de uma contrapartida obrigatória nas resoluções editadas pelo BACEN.

 

Em segundo lugar, é necessária a intervenção do Poder Judiciário para colocar a “casa em ordem” e obrigar as instituições financeiras, beneficiadas pelo abastecimento gerado pelas resoluções do BACEN, a fazer chegar efetivamente esse dinheiro nas mãos da população e empresas que necessitarem, visando, assim, a minimizar os efeitos da crise sem precedentes.

 

Pensando nisso foi interposta uma Ação Popular, ação com status constitucional, cabível quando violados os princípios da Administração Pública, segundo jurisprudência do STJ, que recebeu o nº 1022484-11.2020.4.01.3400 da 9ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, tendo como réus a União Federal, o Banco Central do Brasil e Roberto de Oliveira Campos Neto (atual Presidente do Banco Central) e cuja sentença tem efeito erga omnes, isto é, vale para todos.

 

Referida Ação Popular argumenta que, em virtude da pandemia causada pela COVID-19, a economia brasileira foi gravemente atingida, o que levou o Banco Central do Brasil a adotar medidas para aumento de liquidez no mercado, sem estabelecer, em contrapartida, obrigações às instituições financeiras, para reverter essa liquidez na forma de crédito para seus clientes.

 

Menciona, ainda, a ausência de razoabilidade e moralidade, uma vez que as instituições do Sistema Financeiro Nacional teriam sido abastecidas de 1,2 trilhão de reais em virtude das medidas tomadas pelo BACEN para aumento da liquidez no mercado.

 

Ora, o abastecimento das instituições financeiras gerado pelas medidas do BACEN sem que haja o repasse do crédito aos clientes ocasiona, sem sombra de dúvida, um aumento absurdo de lucro aos bancos, que beneficiariam somente seus acionistas e diretores.

 

Diante de toda a argumentação exposta na Ação Popular acima mencionada, o juiz deferiu o pedido de tutela de urgência para o fim de determinar a adoção de várias medidas pelos réus, tais como, impedimento de distribuição de lucros e dividendos a acionistas/diretores/membros do conselho, além do mínimo previsto na Lei 6.404/76; vinculação do aumento de liquidez dos bancos à concessão de prorrogação de operações de crédito realizadas pelo período de 60 dias, sem cobrança de juros e multa; editar normas complementares àquelas já publicadas vinculando-se à adoção de medidas efetivas pelos bancos, para atender à finalidade dessas normas; suspensão das parcelas de créditos consignados concedidos aos aposentados pelo período de 4 meses, sem cobrança de juros ou multa e observar, na edição de novos atos administrativos, a vinculação e a finalidade das normas, impondo às instituições financeiras a estrita observância de contrapartida a seus clientes, para a obtenção de benefícios junto ao BACEN.

 

Não resta dúvidas, portanto, que os cidadãos e as empresas, que se achem prejudicados pela dificuldade no acesso ao crédito devem procurar seus direitos, já que as instituições financeiras foram, e muito, beneficiadas pelas medidas adotadas pelo BACEN para o aumento da liquidez no mercado e devem, em contrapartida, fazer com que todo esse dinheiro chegue nas mãos de seus clientes.

 

Com a época sem precedentes que vivemos, não basta somente que o Banco Central do Brasil edite as medidas cabíveis, mas é imprescindível que as instituições financeiras ajam com moralidade, cumprindo a finalidade das normas, fazendo que o crédito chegue efetivamente nas mãos de quem necessita, cumprindo, assim, seu papel frente à crise.

 

São José do Rio Preto/SP, 28 de abril de 2020.

 

Marcelo de Lucca, advogado, associado ao Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON), Coordenador da Comissão de Direito Bancário da OAB/SP – Subseção de São José do Rio Preto